21 de janeiro de 2011


Vinho barato e cigarros


Se você tivesse ficado só mais uma noite deitado ao meu lado eu sei que não iria partir, mas você levantou naquela manhã, vestiu suas roupas e nem se quer olhou para trás para me dizer adeus.
Você me viu de olhos arregalados enquanto abriu a porta e saiu, bateu forte que até o vizinho do ultimo andar deve ter escutado o estrondo. E eu permaneci sentada na cama sem piscar, ainda aquecida pelo seu corpo que acabava de partir.
Eu lembro de você dizer, enquanto me beijava, que não iria embora dessa vez, que tudo o que passou foi bobagem e que estava feliz por eu ter o aceito de volta. Como você podia ser tão canalha e ao mesmo tempo me fazer feliz?
Não, você não era o meu príncipe encantado, na verdade você era meu amante de uma noite e amanhã adeus. E depois de dois anos voltar porque eu precisava de você por ter perdido o namorado e você precisava de mim porque eu era fácil.
Você agiu como um idiota da ultima vez que nos vimos, passando sua mão em mim enquanto eu dançava no meio da balada, fez me sentir uma vadia da pior espécie.
Acho que você não notou que eu tinha mudado.
Eu te olhei nervosa e você perguntou com um tom de desaforo:
_ Não gosta mais de ser minha cadela?
_ Eu nunca fui sua cadela. Cala a boca seu idiota! _ gritei desafinada fazendo com que todos a nossa volta se silenciassem.
Você me olhou debochado e jogou sua bebida artificialmente colorida nos meus sapatos de camurça branca que eu disse a você um milhão de vezes que amava.
Ficamos um bom tempo sem nos ver e nos falar, e eu sentia tanta falta sua, do seu corpo, do seu beijo, da sua voz falando besteiras, do seu jeito safado e carinho, mas eu aguentei em silencio e sem chorar.
Você me ligou no primeiro dia de julho, reclamando de frio e pedindo se eu ainda tinha aquela panela de fondue porque queria emprestada, eu no auge da minha falsa inocência desse que podia vir busca-la.
O porteiro, como sempre, deixou você subir, eu abri a porta e você estava encharcado com um camiseta preta colada, um sorriso estonteante, cuturnos militar, na mão esquerda um vinho barato e na outra mão uma sacola com morangos e uma barra enorme de chocolate.
Você era tão pobre, na verdade miserável com aquele vinho barato, morangos murchos e um chocolate de marca diabo, mas não me importava nada daquilo, só queria você.
Fui buscar uma toalha macia e quando voltei para a sala você tinha achado a panela de fondue e a colocado no chão, estava sentado no chão lendo a síntese do livro que deixei no sofá, me olhou com seus olhos verdes e me puxou quando lhe estendi a toalha. Meus olhos castanhos avermelhados penetraram nos seus e eu disse com um tom infantil:
_ Meus sapatos de camurça branca estão manchados.
_ E se eu ficar aqui durante todo esse mês, será que eu pago? _ disse você melodioso.
Me serviu morangos a noite toda, até a infeliz hora em que decidiu tirar seus cuturnos sem desamarrar os cadarços e derrubou a panela sujando meu tapete felpudo de chocolate derretido e ainda me deitou sobre aquilo lambuzado meu cabelo todo.
Ah como você estava decidido a entrar na minha vida para sempre desta vez.
E depois de duas semanas minha mãe ligou perguntando porque o porteiro disse que eu estava com uma visita de semanas:
_ Ah mãe, é o Maurício. _ disse eu esperando a bronca.
_ Aquele vagabundo de novo? _ perguntou exaltada.
_ Ele está passando as férias aqui mãe. _ disse em tom suave e meloso.
_ E desde quando aí é a Disney World? _ gritou, superando minhas espectivas. Continuou altera _ Vagabundo não tira férias porque vagabundo não trabalha filha!
_ Tá bom mãe, vou desligar, tchau! _ e desliguei antes que ela dissesse algo de como você me tratava como uma vadia e eu ficasse nervosa, acabaríamos brigando. Mas quem me derá tê-la ouvido até o final para poder dizer a ela que estava errada dessa vez.
E você ali tanto tempo, saindo de vez enquanto para buscar cuecas e camisetas, calças e meias. Ia na padaria só para usar o caixa eletrônico e tirar dinheiro para pedir alguma comida delivery como sushi e pizza.De vez enquanto eu te pedia para comprar cigarros, você torcia o nariz mas comprava, eu mal estava fumando, mas cigarros me faziam acreditar que eu tinha um vicio maior que você.
Mas quem eu queria enganar?
Você se tornou meu maior vicio, um dos meus hábitos e que maldita sorte eu teria se você fosse vendido na padaria da esquina como os cigarros que eu fumo. E é por você ser tão meu vicio que eu queria que ficasse.
De qualquer jeito você foi embora naquela primeira semana de agosto, batendo a porta e os pés por todos os degraus da escada.
"Você tem uma mensagem, deseja ouvi-la novamente? Piii! 'Oi Natacha, aqui é o Ricardo. É... er, eu liguei porque estou querendo sair com você desde que nos encontramos no café semana passada. Então... me liga se ainda tiver meu numero. Bem, eu ligo de volta. Obrigado por passar seu novo numero. É... beijos'. Fim de mensagem. Você tem uma nova mensagem, deseja ouvi-la novamente?"
Talvez eu tivesse esquecido de como você odiava o Ricardo, talvez eu tivesse esquecido de te contar que em um saidinha sua pra buscar roupas eu fui até o café perto do apartamento, talvez eu tivesse esquecido de como você adorava se sentir dono dos meu telefonemas, talvez eu só quisesse te causar ciúmes.
Fui até a janela e vi você subir na moto, ligou, deu a partida e ela fez aquele barulho horrível que eu odiava desde 6 anos atrás.
Você foi embora sem antes eu poder dizer que meus sapatos de camurça branca já não importavam e que eu adorava vinho barato, dizer que eu tinha três maços e meio de cigarros que eu não tinha fumado enrolados em um saco plástico dentro da minha gaveta de calcinhas.
Eu só queria poder gritar da janela:
_ Atenda a merda do telefone quando chegar em casa! _ e ir gradualmente abaixando o tom da voz dizendo _ Eu te amo, não me deixe te esperando. Eu estava errada, volta.
É, eu estava errada pela primeira vez depois de anos ver você errando comigo.
Acho que eu não percebi que você tinha mudado.
Chorei alguns minutos, bebi o pouco que restava do vinho barato e fumei um cigarro. Precisava me alimentar do pouco de você que me sobrou em casa.
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